domingo, 18 de abril de 2010

ESTRESSE EM MÃES DE PESSOAS COM AUTISMO


O trecho a seguir foi recortado do interessante artigo intitulado "Estresse e auto-eficácia em mães de pessoas com autismo", de Carlo Schmidt e Cleonice Bosa, publicado na Revista Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 59, n. 2, 2007. As constatações dos pesquisadores deixam evidente a necessidade dos cônjuges, familiares (pais, irmãos, sogros etc) e amigos apoiarem as mães de portadores de autismo.

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As características próprias do comportamento de pessoas com autismo, somadas à severidade do transtorno, podem constituir estressores em potencial para familiares. A compreensão da relação entre autismo e estresse familiar não pode ocorrer com base em relações lineares entre possíveis causas e seus efeitos, de forma reducionista.

A natureza crônica do autismo tende a acarretar dificuldades importantes no que tange à realização de tarefas comuns, próprias da fase de desenvolvimento destas pessoas. Os familiares, por sua vez, se vêem diante da necessidade de enfrentar tais desafios impostos pela especificidade da condição, por meio de um ajuste de planos e expectativas, tal como a necessidade de adaptar-se à intensa dedicação e prestação de cuidados das necessidades do filho (DEMYER, 1979; FÁVERO; SANTOS, 2005; GAUDERER, 1997; GOMES et al., 2004; HARRIS, 1983; SCHMIDT et al., 2007).

Portanto, não é surpreendente a consistência de vários estudos que revelam a existência de estresse agudo em famílias que possuem um membro com diagnóstico de autismo (FACTOR et al., 1990; FÁVERO; SANTOS, 2005; SCHMIDT, 2004).

De acordo com o modelo de adaptação psicossocial de Bradford (1997), as especificidades da condição desempenham um papel importante no processo de adaptação familiar. O autor sugere que aquelas “doenças” cujas condições acarretam maior dependência ao sujeito levam a um aumento substancial na demanda de cuidados e tendem a ocasionar um aumento dos níveis de estresse parental, resultando em uma pobreza do ajustamento materno e da criança.

No caso do autismo, este fenômeno pode ser corroborado pelos achados do estudo de Bristol e Schopler (1983), que mostra que o padrão de estresse dos familiares destas crianças é mais elevado do que aqueles de famílias que possuem um filho com desenvolvimento típico ou com síndrome de Down, sugerindo que o estresse parece ser um processo comumente encontrado nos familiares de pessoas com autismo em virtude das especificidades da síndrome.

Estudos pioneiros nesta área (DEMYER, 1979; MILGRAM; ATZIL, 1988) relatam que, nas famílias de crianças com autismo, há presença de tensão física e psicológica nas mães, culpa em 66% destas e incertezas quanto a habilidades maternais em 33%, bem como a tendência a apresentar maior risco de crise e estresse parental que os pais, em decorrência da pesada tarefa materna com os cuidados diretos. Ainda conforme estes autores, existe uma expectativa social de que as mães tomem para si os cuidados da criança, assumindo-os mais do que os pais. Contudo, um dado importante deste estudo diz respeito ao sentimento de desamparo materno relacionado à falta de suporte por parte dos maridos, manifestando o desejo de que eles assumam uma responsabilidade conjunta sobre os cuidados do filho.

De fato, Bradford (1997) salienta que o suporte conjugal e social exerce uma função importante na adaptação das famílias que possuem um membro com alguma condição crônica. A forma como a família percebe e utiliza os recursos intra (ex.: apoio conjugal, coping familiar) e extrafamiliares (ex.: serviços da comunidade, escolas ou clínicas) tende a exercer um efeito direto sobre o adaptação materna.

Baixos níveis de coesão entre os pais, assim como a presença de conflitos conjugais e familiares, têm sido apontados como correlacionados às dificuldades de ajuste da criança (BRADFORD, 1997). Este autor relata que a falta de apoio conjugal pode contribuir para o incremento dos sentimentos de solidão e desamparo maternos. Este quadro tende a aumentar os níveis de estresse parental e ocasionar uma conseqüente exacerbação dos sintomas da criança, dificultando a adaptação.

Os estudos acima corroboram a relevância dos fatores propostos no modelo psicossocial (BRADFORD, 1997), em que parece haver uma estreita relação entre a presença ou não de estresse familiar, também compreendido como resultado da adaptação, e a forma como a família lida com os desafios impostos pela especificidade do autismo. Deste modo, o estresse familiar varia não apenas em função do excesso de demandas por cuidados do filho, mas em função dos resultados das estratégias de coping que a família utiliza para lidar com as dificuldades derivadas desta condição.

Schmidt, Dell’Aglio e Bosa (2007) mostram que as mães de pessoas com autismo identificam as atividades de vida diária como as maiores dificuldades para lidar com o filho (ex.: vestir-se, fazer a higiene e sair sozinho), seguidas de dificuldades de comunicação (ex.: como fazer amigos). Bradford (1997) propõe que estes tipos de desafio são percebidos por suas famílias como uma ameaça ao bem-estar, conduzindo seus membros a utilizarem estratégias de coping que visem reduzir o estresse decorrente. Porém, o estudo daqueles autores (SCHMIDT et al., 2007) mostra que as estratégias de coping utilizadas por essas mães não têm obtido êxito quanto à redução do estresse, possivelmente por serem consideradas menos adaptativas e não afastarem o estressor, o qual possui uma natureza crônica.

De fato, um estudo anterior de Schmidt (2004) mostra que os altos níveis de estresse encontrados nas mães de pessoas com autismo parecem estar relacionados a fatores como o excesso de demanda de cuidados diretos do filho, isolamento social e escassez de apoio social. Além disso, o alto nível de dependência de apoio da família e a carência de outras provisões de apoio geram intensos sentimentos de insegurança, ansiedade e temores em relação à condição futura da pessoa com autismo, afetando a família como um todo. Koegel et al. (1992), complementam estes dados, identificando, em seu estudo, a preocupação parental com o futuro de seus filhos, com as dificuldades cognitivas e habilidades de funcionamento independente das crianças e a aceitação em suas comunidades.
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Para ler o artigo completo, inclusive a pesquisa empírica realizada com 30 mães de autistas, com filhos na idade de 12 a 30 anos, basta acessar http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/arbp/v59n2/v59n2a08.pdf.

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